Com um clima caracterizado por alto índice de insolação, geografia plana e fácil acesso à rede elétrica, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo cidades como Seropédica e Itaguaí, se destaca como um local atraente para a instalação de fazendas solares. Essa região se torna ainda mais atrativa para empresas do mercado fotovoltaico devido à alta tarifa de energia elétrica no estado e aos incentivos fiscais oferecidos para fontes renováveis de energia. No entanto, um elemento peculiar do cenário fluminense tem afastado as empresas: a presença das milícias.
O jornal O Globo entrevistou funcionários de empresas que atuam nesses segmentos e estiveram envolvidos em projetos de implantação de usinas na região. Eles se relacionam com uma dinâmica semelhante à que diz respeito à atuação das milícias. Sob condição de anonimato, esses profissionais afirmam que é praticamente impossível operar na área sem pagar uma espécie de "mensalidade" aos criminosos, em troca da chamada "segurança" no local. Além dessa extorsão, os milicianos também exigem que as empresas contratem serviços de suas próprias empresas ou de empresas indicadas por eles, incluindo desde a alimentação dos trabalhadores até serviços de terraplanagem e uso de drones. A abordagem desses crimes em geral começa de maneira sutil e progride para a intimidação com a presença de homens armados.
Um engenheiro que atuou como líder de um projeto de fazenda solar em Seropédica, que pediu para ser identificado como Pedro (nome fictício), relata sua experiência. Os problemas surgiram na fase inicial do projeto, quando procuravam terrenos para arrendar e construir uma usina. Um analista fundiário terceirizado que estava operando as propriedades recebeu uma mensagem no WhatsApp, questionando a presença dele na região. Em um trecho da mensagem, o remetente alertou que o analista provavelmente não estava familiarizado com os costumes locais, pois parecia ser de fora.
Pedro explicou que, na época, não viu esse incidente como algo muito grave, considerando-o apenas como uma precaução de alguém que estava familiarizado com a zona rural. No entanto, sua percepção mudou à medida que o projeto avançava.
De acordo com o Dr. José Cláudio Souza Alves, sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que reside em Seropédica há uma década e é um dos pioneiros nos estudos sobre milícias na região, os milicianos começaram a atuar na área por volta de 2014. Ele argumenta que as milícias desempenham um papel significativo na estrutura política dessas cidades, envolvendo-se em contratos, licitações e financiamentos de empresas terceirizadas.
Embora seja uma empresa em que Pedro trabalhava, uma multinacional com políticas rigorosas de governança corporativa, recusou qualquer pedido de suborno, o projeto contínuo, mas o proprietário do terreno aumentou o preço acordado inicialmente, provavelmente para cobrir essas despesas adicionais. Quando uma empreiteira subcontratada começou a construir uma usina, homens, aparentemente pacíficos, mas portando armas visíveis, mostraram no local para comunicar que uma mensalidade de R$ 15 mil era necessária, justificando-a como uma medida de segurança devido à suposta periculosidade da área rural.
Bruno Paes Manso, doutor em Ciência Política e autor do livro "A República das Milícias", esclarece que esse comportamento é típico das milícias, que utilizam o controle territorial para obter receitas ilegais com a conivência de autoridades e grupos políticos. Pedro relata que, após cerca de três semanas de trabalho, uma mulher contratada para fornecer refeições aos trabalhadores chegou ao local em estado de desespero. A milícia havia proibido seu trabalho e especificava que a alimentação fosse fornecida por uma empresa indicada por eles. A construção usina contínua com a maioria dos serviços sendo subcontratados de empresas ligadas aos milicianos ou recomendados por eles.
No entanto, quando a empreiteira não pagou a mensalidade em um mês, a usina solar foi invadida. Os cabos de conexão de três mil placas solares foram cortados, resultando em um prejuízo de aproximadamente R$ 1,8 milhão. Pedro descreveu a ação dos milicianos como precisa e coordenada, demonstrando um conhecimento detalhado do que estava fazendo, o que se tornou impossível reparar as placas danificadas■ Fonte: Jornal O Globo
Comments